segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Tarrã

A Tachã ou Tarrã é uma ave da família Anhimidae, muito conhecida e presente no Rio Grande do Sul sendo também conhecido em outras regiões por outros nomes, como inhuma-poca, anhumapoca, anhupoca, chajá, anhuma-do-pantanal ou tachã-do-sul.
O nome anhuma é pantaneiro, sendo também usado para uma outra espécie da mesma família, habitante da mata amazônica e matas densas do Centro-oeste (nunca foi detectada no Pantanal, mas ocorre no alto rio Paraguai).
Seu nome cientifico significa do (grego) khaunos = esponjoso, rugoso, poroso, referente aos sacos de ar sob a pele das aves gritadoras; e do (latim) torquata, torquatus = colarinho, colar - Pássaro com colar de pele rugosa.
É uma ave corpulenta, com patas grandes e cabeça desproporcionalmente pequena, bico pequeno e topetuda sendo sua coloração pardo-acinzentada escura, com algumas manchas brancas. O pescoço é contornado por uma gola negra realçada por uma segunda penugem branca. A face superior da asa é negra, com grande área branca visível durante o voo, e a face inferior da asa é totalmente branca.
As fêmeas são menores que os machos. As patas são curtas e fortes e os três dedos da frente estão unidos por uma membrana interdigital rudimentar. Sua altura média é de 85 cm e peso em torno de 4kg.
O Tarrã é um grande habitante dos brejos, com formato e características únicas. O corpo, pernas e pés são enormes em relação à cabeça, pequena e com um penacho na nuca. Em voo, mostra uma grande área branca sob a asa. Possui um esporão vermelho no cotovelo da asa, visível quando está pousada ou voando. Apesar do aspecto agressivo, não é usado como arma de ataque, servindo para comunicação entre as tachãs.
Destaca-se pelo chamado alto, feito por um indivíduo ou pelo casal, em dueto. Pode gritar a qualquer momento do dia, avisando sobre sua presença ou de intrusos, atraindo a raiva dos caçadores, ao espantar a presa. Esse chamado é mais grave no macho do que na fêmea, está mais esganiçada, e é interpretado como dizendo “tachã”.
Alimenta-se, principalmente, de folhas de plantas aquáticas, apanhadas enquanto caminha pelo brejo ou nas margens, assim como insetos e moluscos. Mas também caminha pelo campo do pampa para se alimentar.
São aves típicas de ecossistemas alagados, como brejos e lagos, sendo nativa do Pantanal, dos Pampas e dos Chacos Bolivianos. No Cerrado, pode ser vista em veredas, campos úmidos, e ocasionalmente matas de galeria próximos a esses biomas. É onívora, porém se alimenta principalmente de matéria vegetal, como sementes, folhas, raízes e brotos de plantas aquáticas, além de moluscos e insetos. Sua vocalização é um chamado alto que pode ser ouvido à distância, usado para avisar sua presença ou a de intrusos. É monogâmica e territorialista durante a estação reprodutiva, fazendo grandes ninhos com folhas emaranhadas sobre a vegetação acima da água.
Sua distribuição se estende do norte da Bolívia e extremo leste do Peru ao centro da Argentina, abrangendo o Paraguai, Uruguai, e o Brasil nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e principalmente o Rio Grande do Sul.
O Tarrã é uma das principais aves do Rio Grande do Sul, sendo muito comum nas terras gaúchas.

Por: Diones Franchi
Jornalista e Mestre em História
Referências:

Gomes, Wagner. Lista das espécies de aves brasileiras com tamanhos de anilha.
 
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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Rio Pardo – O histórico centro comercial do Rio Grande do Sul

Rio Pardo é um município brasileiro localizado no Rio Grande do Sul, tendo seu conjunto arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
A cidade tem uma grande importância para a história do Rio Grande do Sul, estando localizado na Depressão Central do Estado. Já foi considerado o centro comercial, militar e cultural do Rio Grande do Sul.
No início a região era habitada pelos indígenas da Tradição Umbu que mais tarde foram substituídos pelos Tupis - guaranis, caingangues, Charruas e Tapes.
Em 1633, a região era dominada pela Espanha, onde os jesuítas fundaram a Redução de São Joaquim, perto da foz do Rio Pardo, reunindo mais de mil famílias indígenas, sendo depois destruídos pelos bandeirantes de Antônio Raposo Tavares. No início do século XVIII os tropeiros portugueses percorriam a área em busca de gado, onde alguns a partir de 1724, começaram a receber sesmarias. Neste período foram construídos estâncias de criação, marcando logo após a chegada de novos grupos de famílias portuguesas.
Com o Tratado de Madri de 1750, houve a divisão das áreas de colonização espanhola e portuguesa, surgindo a necessidade de defender a nova fronteira, estabelecendo uma guarda pelo governo português junto à foz do Rio Pardo.
Em 1751 o governador da Capitania do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, incumbido de demarcar a fronteira, ali estabeleceu seu quartel general. Pouco depois foi erguido o Forte Jesus, Maria e José, guarnecido por um regimento de dragões em 1754.
Esse forte nunca caiu para o inimigo, e por isso recebeu a alcunha de Tranqueira Invicta, mas ele posteriormente foi destruído.
Em torno da fortificação começou a se formar o primitivo povoado de Rio Pardo, se tornando uma das primeiras e importantes rotas comerciais do Rio Grande do Sul.
Em 1809, a Capitania do Rio Grande de São Pedro, foi dividida em quatro municípios: Rio Grande, Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha e Rio Pardo. Entre os quatro, Rio Pardo possuía uma vasta área territorial, sendo o maior município do Rio Grande do Sul, chegando a ocupar três quartos do território. Em 31 de março de 1846 a vila foi elevada à categoria de cidade, consequentemente a população crescia, e aconteciam melhoramentos na infraestrutura, onde os escravos representavam um quarto na totalidade da população. Rio Pardo teve importância também na Revolução Farroupilha, onde imperiais e farroupilhas travaram batalha.
Durante um bom período, Rio Pardo, teve grande prosperidade como um importante entreposto comercial, favorecido pelo acesso à grande rede de navegação fluvial da região central do Rio Grande.
O Porto Fluvial era o grande responsável pelo escoamento de produtos da região, através dele, chegavam às mercadorias que vinham de Porto Alegre, e tinham como destino abastecer as “Missões, o Pampa e a Serra”. Por isso, era também muito comum o fluxo das carreteadas puxadas por bois, que buscavam bens e alimentos para as demais localidades do Rio Grande do Sul.
Devido a substituição da navegação pelas ferrovias, Rio Pardo iniciou uma fase de decadência, principalmente quando seu território começou a ser parcelado para a formação de novos municípios, acentuada pela substituição das ferrovias pelas rodovias como principal meio de circulação de bens e pessoas.
Rio Pardo, nos primórdios do século XIX, era então um dos mais importantes centros militares, comerciais e culturais do Sul do Brasil. Palco de lutas e saques durante as revoluções.
Na época do seu apogeu foi adornada por casas de estilo colonial, que atualmente é responsável pelo seu prestígio como patrimônio histórico tombado. A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário e a antiga Escola Militar, hoje um centro cultural, são seus principais monumentos.
Rio Pardo também conta com A Rua da Ladeira, que foi a primeira rua calçada do Rio Grande do Sul.
Dessa maneira, Rio Pardo oferece especiais atrativos históricos por ter desempenhado um papel importante na formação do Rio Grande do Sul, sendo sentinela avançada do Brasil, nas fronteiras do Sul.

Por: Diones Franchi
Jornalista e Mestre em História

Fontes:

Barros, Silvia. "História de Rio Pardo". Câmara Municipal de Rio Pardo / Arquivo Histórico de Rio Pardo, 2016
DUMINIENSE, Paranhos Antunes – Rio Pardo - Cidade Monumento. Porto Alegre: Globo, 1946
PESAVENTO, Sandra. História do RS. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982

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Rio Pardo - Antigo


Rio Pardo - RS


A Rua da Ladeira - Mais antigo calçamento do Rio Grande do Sul

terça-feira, 19 de setembro de 2023

As capitais farroupilhas

A guerra dos Farrapos tomou outro curso, a partir da Proclamação da República Rio-Grandense em 11 de setembro de 1836. Com este acontecimento, procurando evitar que os guardas nacionais e os moderados monarquistas abandonassem a revolução, os farrapos ofereceram ao comandante Bento Gonçalves a presidência da República.
O futuro presidente da República Rio-Grandense estava acampado em Viamão, mas ao atravessar o rio Jacuí foi preso no combate da ilha do Fanfa.
Os moderados, impediram que Paulino da Fontoura, chefe da facção farroupilha, eleito vice-presidente, assumisse a presidência enquanto Bento Gonçalves estava preso. Dessa maneira, elegeram como presidente provisório José Gomes de Vasconcelos Jardim.
Os farrapos fundaram uma república separatista que adotou uma nova bandeira, escudo de armas e hino nacional. Concedeu cidadania e considerou os brasileiros de outras províncias como estrangeiros, manteve representantes diplomáticos no Prata e os líderes escreviam em suas cartas que haviam fundado uma nova nação. Pela primeira vez em território brasileiro, funcionou um Estado republicano com presidente, ministros, coletorias, serviço de correio, Exército, leis próprias e com um projeto de constituição liberal.
Durante a Revolução Farroupilha, a República Rio-Grandense teve 3 capitais oficiais além de capitais temporárias.
Em 10 de novembro de 1836, Piratini foi eleita a primeira sede e capital dos farrapos, sendo após, elevada a município. No dia 20 de novembro de 1837, chega a Piratini o então General Bento Gonçalves da Silva, que conseguira livrar-se das prisões da Regência, sendo que em 16 de dezembro, em Sessão Extraordinária da Câmara Municipal, é conduzido ao supremo poder da República, conforme se acha registrado no Livro de Atas n° 02 da citada Câmara.
Em 1838, por iniciativa de Domingos José de Almeida e Luigi Rossetti, foi criado o órgão oficial da República, o jornal "O Povo", sendo a tipografia e redação instaladas no prédio onde residiam Rossetti e Giuseppe Garibaldi.
As ocorrências da guerra fizeram com que a 9 de janeiro de 1839, se deliberasse a mudança da capital para um ponto mais central, sendo designada a Vila de Caçapava para sediar o governo da República.
Piratini foi capital da República e sede do governo farrapo até 14 de fevereiro de 1839.
A tomada de Caçapava pelos imperiais em 21 de março de 1840, obriga o governo a se retirar da vila, para logo retornar e ver os prejuízos causados pelo invasor. Isso faz com que os farrapos comecem a correr mais riscos, com o avanço dos imperiais na região.
Até 23 de março de 1840, a capital permaneceu em Caçapava, mas a partir de então, a sede do governo, passou a ser o lugar onde estava o Tesouro. Por algum tempo a capital farroupilha ficou ambulante, voltou para Piratini, onde esteve em diversos pontos da república até chegar em São Gabriel.
Nos primeiros dias do mês de agosto de 1841, a capital ficou em Bagé, onde Domingos José de Almeida, no Ministério da Fazenda, passa a tomar as providências para reorganizar o que se havia extraviado e perdido nessas andanças. A capital provisória em Bagé, foi do período de agosto de 1841 até abril de 1842.
Bagé ficou capital, devido a ocupação de São Borja pelos imperiais, fazendo com que Alegrete naquele momento, não oferecesse as condições de segurança adequada.
Em junho de 1842, a capital da República Rio-Grandense se instalou em Alegrete, até o fim da revolução em 1845.
Oficialmente existem três capitais farroupilhas que são Piratini, Caçapava e Alegrete, sendo Bagé e São Gabriel consideradas capitais transitórias.
As mudanças de capitais sempre se deram pelo avanço imperial e também como medida estratégica nos planos da República.
No dia 25 de fevereiro de 1845, quando todos os exércitos se concentraram nas proximidades de Ponche Verde, foram assinadas as atas que encerravam a mais duradoura revolução civil do Brasil.
A sede atual do governo do estado do Rio Grande do Sul, é chamada de Palácio Piratini, em homenagem a primeira capital farroupilha.
É preciso afirmar que todas as capitais farroupilhas, ficaram marcadas historicamente, cultuando em seus traços as raízes sul-rio-grandenses.

Por: Diones Franchi
Jornalista e Mestre em História

Referências:

FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul, 1985
SPALDING, Walter. A revolução farroupilha. Enciclopédia Rio-grandense, 1956

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Piratini Antigo - Palácio do Governo da República Rio-grandense

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Sete Povos das Missões

Os Sete Povos das Missões foi o nome dado aos sete aldeamentos indígenas fundado pelos Jesuítas espanhóis na Região do "Rio Grande de São Pedro", (Rio Grande do Sul). Era composto pelas reduções de São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio. Os Sete Povos também eram conhecidos como Missões Orientais, por estarem localizados a leste do Rio Uruguai. As missões, também chamadas de reduções, foram fundadas e organizadas por padres da Companhia de Jesus. Os jesuítas chegaram à região com o objetivo de catequizar e "civilizar" sob a autoridade espanhola. Os conflitos eram marcados pela destruição das missões e pelos primeiros êxodos dos guarani. Nos períodos de paz, os indígenas retornavam ao local de origem com o apoio dos jesuítas

 A origem

 A fundação da Colônia do Sacramento no Rio da Prata provocou a reação do governo espanhol. Para evitar o avanço dos portugueses pelo litoral sul, a colonização espanhola foi realizada por povoados. Por falta de homens brancos, o governo espanhol recrutou índios cristãos, se tornando súditos do rei. Assim em 1682, se criou a primeira redução de São Francisco de Borja e logo depois as demais, totalizando Sete povoados.

 A organização

Os Sete Povos eram organizados com uma praça central, tendo em sua volta diferentes edificações. A praça era um espaço cívico-religioso com uma cruz latina em cada canto, com um padroeiro do povoado.Em um dos lados da praça eram construídos a igreja, residência dos padres, colégio, oficina, cemitério, cotiguaçu (casa grande com vários aposentos) e horta. Na igreja não existiam bancos e os homens ficavam de um lado e as mulheres de um outro. No cemitério havia uma pequena capela e túmulos onde os índios eram enterrados de forma cristã. As habitações abrigavam índios do mesmo clã, onde cada bloco era dividido em vários cômodos, sob responsabilidade de um cacique. A gestão governamental das missões obedecia à organização das cidades espanholas. Cada uma possuía um chefe superior e havia prefeitos e vereadores. Ambos formavam um conselho. Todos os cargos eram exercidos por indígenas. O objetivo dos padres jesuítas era reunir os indígenas e educá-los de acordo com os princípios da cultura cristã ocidental. Foi também criada oficinas de artesãos, carpinteiros, escultores e fabricantes de instrumentos musicais. Na maioria das Missões surgia uma organização social, comercial, cultural e mesmo militar que mostrava a plena capacidade de desenvolvimento dos indígenas ‘descobertos’ pelos europeus. Cada povoado possuía a sua plantação de erva mate para a comunidade e também a criação de bovinos. A Coroa portuguesa permitia a escravidão indígena, enquanto o Império espanhol os tornava automaticamente súditos do rei. As missões foram constantemente atacadas por bandeirantes em busca de escravos para as colônias. Os Sete Povos das Missões comportou 30 mil habitantes. Todos eram indígenas, e os padres espanhóis seus principais administradores. O modelo inicial de catequização e de criação das Missões Jesuíticas somente foi encontrar maior sucesso em meados do século XVII, e cresceu bastante a ponto de virar um entrave para a expansão dos colonizadores europeus.

O fim

No século XVIII, a região estava sob disputa entre Espanha e Portugal. O Tratado de Madri de 1750 estabelecia que a região dos Sete Povos das Missões fosse entregue a Portugal, e em troca disso a Espanha ficaria com a Colônia do Sacramento saindo os Jesuítas espanhóis. Mas este Tratado gerou conflitos: pois nem padres nem índios queriam abandonar suas reduções, e nem os portugueses queriam abandonar o Sacramento. Houve uma série de confrontos armados que culminaram na Guerra Guaranítica, que deixou um rastro de destruição e sangue que abalou as estruturas do sistema missioneiro. Acredita-se que 20 mil indígenas morreram. Logo depois veio o fim: com a intensa campanha difamatória que os Jesuítas sofreram a partir de meados do século XVIII, a Companhia de Jesus foi expulsa de terras portuguesas em 1759, e em 1767 a Espanha fez o mesmo. No ano seguinte todas as reduções foram esvaziadas, com a retirada final dos Jesuítas. Então suas terras foram apossadas pelos espanhóis e os índios foram subjugados ou dispersos. Quando em 1801 eclodiu a nova guerra entre Portugal e Espanha, os Sete Povos já estavam em tal estado de desintegração que com apenas 40 homens  Manuel dos Santos Pedroso e José Borges de Canto conseguiram conquistá-los para Portugal, embora pareça ter havido a participação indígena como facilitadora da tomada de posse. Depois disso Portugal anexou o território ao Rio Grande do Sul, instalando um governo militar. Atualmente, dos Sete Povos existem as Ruínas de São Miguel das Missões e de São Nicolau, além das cidades de Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga e São Borja que ainda guardam suas particularidades dentro da história e preservam a cultura gaúcha e missioneira.

 

Por: Diones Franchi

Jornalista e mestre em história

 

Referências:  

FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul, 1985

GARCIA, Elisa Frühauf. A "conquista" dos Sete Povos das Missões: de "ato heróico" dos luso-brasileiros a campanha negociada com os índios


                                                                   Ruínas de São Miguel


                                                                  Ruínas de São Miguel


Redução Jesuítica

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Dialeto Gaúcho

O dialeto gaúcho, também conhecido como dialeto guasca, é um dialeto português falado no Rio Grande do Sul e em algumas outras partes do Brasil, onde exista uma presença de população de gaúchos. É fortemente influenciado pelo espanhol devido a colonização espanhola, tendo influência do guarani e de outras línguas indígenas, possuindo diferenças léxicas e semânticas em relação ao português padrão. Na fronteira com o Uruguai e Argentina a influência castelhana se acentua, enquanto que regiões colonizadas por alemães e italianos mantém as respectivas influências. Vale ressaltar que assim como no Brasil, existem no Uruguai e na Argentina os gaúchos, conhecidos como o termo “gaucho”. Algumas palavras de origem africana e até mesmo da língua inca também podem ser encontradas. Foi publicado um dicionário "gaúcho-brasileiro" por Batista Bossie, listando as expressões regionais e seus equivalentes na norma culta.

Tchê

Tchê é uma interjeição muito utilizada no Rio Grande do Sul. Sua origem vem do espanhol “che” falado na Argentina, Uruguai e Paraguai. O tchê, portanto, é uma variação do “che”, oriundo da forma de grafar em português como ele é pronunciado no espanhol, como se tivesse um”t” e com o “e” fechado (ê). A interjeição “che” pode ser empregada com dois sentidos: a) como expressão de espanto e dúvida; como o sentido de companheiro, amigo, irmão, camarada. Há controvérsias quanto à sua etimologia. Uma das versões diz ser originária do dialeto falado pelos índios guaranis, em que “che” significa eu, meu, ei. Em decorrência disso, era empregada no início de frases. Outra versão afirma que “che” é uma forma abreviada usada pelo espanhol para a palavra latina “caelestis” (em latim, lê-se tchelestis), com o significado de gente do céu, criatura de Deus, menino do céu. Na linguagem regional gauchesca, prevalece, atualmente, a forma escrita e falada “tchê”, empregada geralmente ao final de uma frase, como expressão de espanto, surpresa ou como forma de chamar a atenção de alguém, como se fosse um vocativo. Exemplo: “O que é isso tchê?” Mas bah tchê, tava bom barbaridade!”

Principais termos, frases típicas e ditados populares da linguagem regional do gaúcho

Abagualado - expressão para descrever alguém grosseiro, rude ou sem muita instrução.
Abichornado - Indivíduo triste, abatido, aborrecido, desanimado, envergonhado.
Arreganhado - adjetivo que significa "exibido", pessoa que gosta de se exibir; ou uma aproximação com intenção de seduzir.
Afuzel / Afudê - usada para expressar que algo era bom, bonito, legal, entre outras coisas boas.
Arriar - também significa fazer graça de alguma coisa, zoar da cara de alguém.
A la pucha - Expressão para manifestar espanto, surpresa, admiração.
À ponta de faca - Ao pé da letra; de forma radical, sem concessões, sem meias palavras, sem meio-termo.
Arranca-rabo e rabo de cavalo - situação conflituosa entre indivíduos; discussão, desavença, briga.
Atucanado - pessoa estressada, que se preocupa com tudo e se diz ocupada com muitas tarefas e com a cabeça cheia de problemas. A etimologia da palavra está relacionada com o tucano.
Bah - uma expressão usada em praticamente todas as frases, e que não tem um significado específico. Serve para enfatizar alguma reação ou sentimento, como tristeza, dúvida ou alegria. Muito usado com o "Tchê", "Bah Tchê".
Bagual - excelente, bom, ótimo ou cavalo xucro.
Balaqueiro - expressão usada para se referir a uma conversa provavelmente cheia de mentiras, a conhecida "conversa-mole" ou "papo-furado".
Barbaridade - Termo usado para indicar surpresa, espanto. Empregado também com o objetivo de destacar, dar ênfase, sob a forma da exclamação: Mas que barbaridade!
Bergamota – é o modo como se chama a tangerina ou mexerica.
Branquinho - beijinho (doce).
Brigadiano - policial da Brigada Militar, conhecida em outros estados como Polícia Militar.
Boca aberta - uma pessoa sonsa, lerda ou burra.
Bodoque - arco de atirar que, composto por um elástico ligado às suas extremidades, é ativado pelo gatilho e usado para arremessar pedrinhas, chamado também de atiradeira ou estilingue.
Bochincho - é uma festa informal, local de bebedeira, desordem, briga, bagunça, baile popular, um arrasta-pé.
Bolicho - Pequeno armazém de secos e molhados. Em feriados e fins de semana, serve como local de encontro onde os homens do campo jogam baralho, bebem um trago e contam causos. O mesmo que bodega ou boteco.
Boia - como os gaúchos chamam comida.
Borracho - bêbado
Buenas - saudação espanhola, muito usada pelos gaúchos.
Bucha - pode ser para expressar que algo é difícil, mas no futebol significa um gol bonito.
Cacetinho - modo como os gaúchos chamam o pão francês, ou pão de sal.
Campeando - sinônimo de "procurando", ato de buscar por algo.
Cancheiro - pessoa que tem experiência e/ou habilidade em alguma coisa
Carpim - meia.
Casamata - banco de reservas (futebol).
Chasque - é um convite, uma carta ou aviso.
Chavear - o mesmo que fechar a porta com chave.
Chapa - pode se referir a uma radiogradia ou uma dentadura, mas também é uma forma de dizer "amigo".
Chimia - geleia de frutas
China - à-toa, mulher ou prostituta.
Chinaredo - bordel; onde fica o chinaredo.
Chinoca - guria que se pilcha de bota e bombacha ao invés do vestido de prenda, prenda que passou dos 30 anos.
Chinelagem - expressão para comportamento despojado, decadente, brega ou desajeitado, ou ainda ato ou objeto de gosto duvidoso ou popular (no sentido de brega). Algo ruim, fraco, bagunçado ou desanimado. Uma pessoa chata também pode ser chamada de chinelo.
Chinelão - pessoa que pratica a chinelagem.
Colorado - torcedor do Sport Club Internacional.
Cuecão - ceroula
Cuia - é o suporte para a erva-mate, sendo o fruto da Cuieira, um tipo de árvore. Pode também ser lavrada e ornada em ouro, prata e outros metais, posteriormente.
Cupincha - camarada, companheiro, amigo (em outras regiões essa expressão também é usada no mundo do crime, sendo sinônimo nesse caso a comparsa, capacho ou jagunço)
Cusco - uma gíria para se referir a "cachorro".
Entrevero - grande confusão de pessoas, animais ou coisas, transformando-se em uma desordem ou um prato típico.
Esgualepado - é o mesmo que machucado, arrebentado e ferido.
Faceiro - alegre, contente.
Fatiota - usado para falar que alguém está bem vestido, principalmente quando a pessoa está de paletó ou terno.
Faixa - é como os moradores do Rio Grande do Sul chamam as estradas asfaltadas.
Fandango - uma festa, qualquer tipo de baile ou divertimento.
Gaudério - homem do campo, pode também ser um indivíduo sem ocupação ou vadio.
Ginete - um cavaleiro habilidoso, que sabe montar bem um cavalo, com destreza e elegância.
Goleira - baliza (campo de futebol)
Guapo - palavra para dizer que alguém é bonito e forte.
Guaiaca - espécie de pochete de couro
Guampa - chifre.
Guaipeca - modo como os gaúchos chamam cachorros, geralmente vira-latas.
Gringo - modo como os gaúchos chamam os descendentes de italiano que moram na serra gaúcha.
Guri /Guria - gíria que pode substituir as palavras "menino" e "menina" em diferentes situações.
Guisado - no Rio Grande do Sul, guisado é o mesmo que carne moída.
Gremista - torcedor do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.
Indiada - grupo de várias pessoas.
Inticar - provocar
Lagartear - o mesmo que ficar no sol.
Laço - apanhar, surra ou corda.
Lomba - uma ladeira ou morro para subir ou descer.
Macanudo - Adjetivo que caracteriza o que é excelente, valente, de boa qualidade; que é admirado pela beleza, força, prestígio, poder, inteligência.
Matear - tomar erva-mate.
Matungo - palavra para designar um cavalo velho, que já não serve para o trabalho.
Melena - cabelo
Minuano - vento vindo do sul que traz as massas gélidas do Polo Sul.
Mongolão - não entende as coisas, burro, abobado, taipa ou boca a berta.
Negrinho - brigadeiro (doce).
Ôigale - gíria usada para expressar espanto e alegria.
Orelhano - animal sem nenhum sinal nas orelhas, portanto não foi assinalado, não possui marca de seu dono. Seria um antropônimo originado do padre Cristobal de Mendoza y Orellana, introdutor do gado no Rio Grande do Sul. Para alguns estudiosos, o termo vem do espanhol “orejano”, arisco, agreste, provavelmente derivado de “arilla”, margem, borda, portanto sem nenhuma ligação com a palavra orelha a não ser pela semelhança de grafia.
Paleta - sinônimo de ombro ou a parte superior das costas.
Pandorga - brinquedo também conhecido como pipa ou papagaio.
Parada de ônibus - Ponto de ônibus.
Parelho - liso, homogêneo, igual.
Patente - vaso sanitário.
Pechada - o mesmo que batida, um acidente que envolve dois carros, ou pessoas colidindo.
Peleia - briga
Prenda - como os gaúchos chamam suas mulheres.
Piá - palavra para se referir a um guri, menino criança.
Pingo - ao contrário do matungo, o pingo é um cavalo jovem, com saúde, bonito e cheio de energia.
Pila -palavra regional que dá nome a moeda nacional, no caso o Real (ex: 10 pila, 25 pila - usa-se sempre no singular)
Pousar - o mesmo que dormir na casa de alguém.
Querência - sinônimo para "terra natal", a cidade ou região de origem da pessoa.
Quebra-molas - lombada
Rabicó -gominha de cabelo
Ranheta / Reinento - o mesmo que uma pessoa brava ou reclamona.
Rengo - é algo capenga, mal feito, acabado.
Roleta - catraca.
Rótula - rotatória, redondo.
Sestear = dormir depois do almoço.
Sinaleira - outro nome para semáforo, sinal de trânsito.
Tchê - significa "amigo", "cara". Muito usado, inclusive, junto ao "Bah", no inicio ou fim de frase, formando a expressão "Bah Tchê", que tem a mesma função de surpresa.
Taipa - Parede de pedra com ou sem terra para represar água num açude. Parede de pedra para cerco de animais menores, especialmente o porco. Sujeito tapado, idiota, ignorante, sendo aquela pessoa sonsa, que nunca entende nada. Outras gírias para isso são “mongolão”, “tcho” ou “tanso”.
Talagaço - Porção de bebida alcoólica tomada de uma só vez, num único gole. O mesmo que talagada, mas também significa tomar golpe.
Taura - o mesmo que macanudo (valente).
Terneiro - bezerro
Trampa/Tramposo - é o mesmo que armadilha, pode ser usado ainda como adjetivo para alguém traiçoeiro. Ex.: Cuidado com ele, já me disseram que é um grande tramposo.
Tri - uma expressão usada para dar intensidade as coisas, para que elas pareçam maiores ou melhores. Para isso, basta adicionar o termo “tri” na frente da palavra que você deseja intensificar. Ex.: A festa ontem foi tri legal. Que tri!
Trovar - o mesmo que falar muito e contando vantagem.
Vareio - o ato de vencer com grande vantagem. Diz-se que o jogo foi um vareio.
Vazio - corte de carne conhecido como Fraldinha em outras regiões.
Vianda - palavra usada para se referir a uma marmita de comida.
Vivente - uma expressão utilizada para se referir a uma pessoa. Geralmente é usada com outra gíria, como “bah” e “tchê”. Ex.. Bah, vivente… tenho que contar algo para ti.
Veranear - passar o verão.
Xiru - índio ou caboclo. Na língua tupi quer dizer "meu companheiro".
Xis - hambúrguer.

Existem algumas expressões como: Afiada que nem dentada de traíra, Agarrado como carrapato em costela de boi gordo, Bagaceiro que nem papagaio de zona, Me caiu os butiá do bolso, Cheio que nem penico de velha, Mais solto que nem peido em bombacha, Dar uma banda, Deitar o cabelo, Estar a meia guampa, Mas que frio de renguear cusco, Mais feio que briga no escuro de foice, Mais feliz que lambari de sanga, mas bem capaz.
O Rio Grande do Sul conta com uma grande diversidade de palavras e frases caracterizando a cultura gaúcha composta por um rico vocabulário.


Por: Diones Franchi
Jornalista e Mestre em História

Fontes:
Flores, Moacyr. História do Rio Grande do Sul,1985
Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul, de Zeno e Rui Cardoso Nunes, Ed: Martins Livreiro, 1986.
Portal Sesc - www.conteudo.sesc-rs.com.br


           O gaúcho e seu vocabulário




Rio Grande do Sul

quarta-feira, 10 de maio de 2023

A Revolução de 1923

A Revolução de 1923 foi o movimento armado ocorrido no Rio Grande do Sul no ano de 1923, em que lutaram, de um lado, os partidários do presidente do estado, Borges de Medeiros, conhecidos como Borgistas ou Chimangos, que usavam no pescoço um lenço branco, e de outro lado os revolucionários aliados de Joaquim Francisco de Assis Brasil, chamados Assisistas ou Maragatos, que usavam no pescoço um lenço vermelho. Vamos relembrar essa revolução, que neste ano completa 100 anos, conhecida também como a última guerra genuinamente gaúcha.

Antecedentes

Republicano e positivista, mas de viés bastante autoritário, Júlio Prates de Castilhos, o Patriarca, como era chamado, governou o Rio Grande do Sul com mão de ferro, de 1891 até sua morte em 1903. Para se manter no poder, tomou duas providências: redigiu praticamente sozinho e fez aprovar uma Constituição autoritária e montou uma poderosa máquina política no Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), com seus incontáveis chefes locais e seu séquito de agregados, presentes em mais de cem municípios do estado. Ao morrer, ficou claro que se fora o ditador, mas a ditadura republicana continuava viva.

A conturbada eleição

Castilhos foi substituído na presidência do estado por Borges de Medeiros, que seguiu adotando os mesmos métodos e que também tinha como objetivo perpetuar-se no poder. Em 1922, Borges resolve candidatar-se mais uma vez à presidência, e contava, como sempre, com a força do PRR, que não hesitava em apelar para a fraude e a violência para garantir a vitória. Todavia, desta feita houve um fato novo: formou-se uma aliança entre vários segmentos da sociedade gaúcha, para estimular uma oposição organizada. O veterano político Assis Brasil desafia Borges na disputa nas urnas. Divide-se assim o Rio Grande entre Borgistas ou Chimangos, numa alusão ao pseudônimo dado a Borges por Ramiro Barcelos, no poema Antônio Chimango, e os Assisistas ou Maragatos, como eram chamados os adeptos do Partido Federalista. A campanha eleitoral ocorre sob um clima de repressão e violência. Os opositores do governo são presos, espancados e até mortos. Locais de reunião dos Assisistas são fechados e depredados pela polícia Borgista. Quando se anunciou o resultado das urnas, com a previsível vitória de Borges de Medeiros, a revolta foi geral. A comissão apuradora de votos, formada por pessoas fiéis ao governo, foi acusada de fraude eleitoral pela oposição. A disputa nas urnas transformou-se em disputa pelas armas. A oposição, liderada por Assis Brasil, aderiu à revolta armada para derrubar Borges de Medeiros, que toma posse para um novo mandato, em 25 de janeiro de 1923. Setores importantes da sociedade gaúcha já andavam descontentes com o governo, e política econômica de Borges precipitara o estado numa crise financeira que contribuíra para descontentar tanto a elite estancieira, como boa parte do movimento operário e estudantil. No plano nacional, Borges se isolara ao fazer oposição à candidatura de Artur Bernardes, que foi eleito Presidente da República.

A guerra

 Na verdade a rivalidade entre as facções era mais antigo, vindo desde a Revolução Federalista de 1893, que ficou marcada pela prática da degola. Os sentimentos tiveram continuidade no conflito de 1923. Os combates se iniciaram ao final de janeiro. As cidades de Passo Fundo e Palmeira das Missões foram atacadas pelos caudilhos maragatos, de Mena Barreto e Leonel da Rocha, que encontraram forte resistência de ambos os lados, não havendo vitória. A expectativa de Assis Brasil e seus aliados, ao partir para a luta armada, era a de que o Presidente da República Arthur Bernardes, que não nutria simpatias por Borges, decretasse intervenção federal no Rio Grande do Sul. Mas Borges, um político hábil, se aproximou de Bernardes e frustrou as expectativas de seus opositores. Os Maragatos, que não estavam devidamente organizados para enfrentar as forças governistas, nem tinham objetivos militares definidos, ficaram confusos ao verem que a pretendida intervenção federal não viria. A continuidade da luta dependia das ações isoladas empreendidas por José Antônio Matos Neto, o Zeca Netto. Mas as operações militares ficavam restritas a regiões distantes de Porto Alegre e não conseguiram causar dano às forças dos Borgistas. Logo os maragatos começaram a se ressentir da falta de homens e de armas. A guerra também teve os protagonistas Flores da Cunha e Honório Lemes. Os revolucionários de 23 se organizaram em colunas, com seus respectivos líderes nas diversas regiões do Estado: Leonel Rocha (Norte), Felipe Portinho (Nordeste), Honório Lemes (fronteira Sudoeste), Estácio Azambuja (Centro Sul) e Zeca Netto (Sul). Esses grupos possuíam centenas de combatentes. A mais famosa e a que ocupou o maior número de cidades foi a Coluna do General Honório Lemes, o “Leão do Caverá”, homem simples, tropeiro e exímio conhecedor do Pampa. Honório Lemes não tinha o aspecto dos caudilhos tradicionais. Tratava qualquer soldado como um igual. O efetivo de sua tropa chegou a atingir cerca de 3 mil homens. Lemes era um chefe carismático. Usava um linguajar típico, era sagaz e inteligente, ditava as ordens com termos adequados, frases sóbrias ritmadas e pausadas, indicando uma espécie qualitativa da pontuação, mesmo sendo quase analfabeto. Seu amplo conhecimento do território pampeano deu a ele uma grande vantagem com relação aos seus perseguidores. Mês a mês, a Coluna Lemes foi ocupando cidades do interior do Rio Grande do Sul como Alegrete, Dom Pedrito, Quaraí, São Gabriel e Rosário do Sul, entre outras. No entanto, em  Uruguaiana, Lemes não obteve sucesso, pois o intendente da cidade à época era o perspicaz José Antônio Flores da Cunha. Atento aos acontecimentos nas cercanias da cidade, ele previu a inevitabilidade da luta armada e preparou uma forte defesa nos limites municipais. Com o sucesso da defesa de Uruguaiana, Flores da Cunha foi destacado com incumbência de perseguir Honório Lemes e sua coluna. Em setembro de 1923, quando a Revolução já caminhava para seu declínio, pois os revolucionários já estavam quase sem munição e acossados pelas tropas governistas, não tendo como resistir, o general Honório Lemes resolveu, estrategicamente, passar o Rio Ibicuí, para a sua margem direita, nas imediações do local conhecido como Passo do Catarino, hoje Praia do Jacaquá, fugindo das tropas Borgistas, comandadas pelo general José Antônio Flores da Cunha. Após esta passagem, que ocorreu no dia 23 de setembro, Honório, com um grupo de mais ou menos 100 homens, ficou acampado na propriedade rural do companheiro maragato Henrique Gregório Einsfeldt Haigert, o “Nico Bonito”, pai de Paulino Cipriano Haigert, o Coronel Pimba, enquanto o restante, pouco mais de 250 homens, ficou sob o comando do Coronel Hortêncio Rodrigues e seguiu em direção à então vila de São Francisco de Assis. Estava chegando a hora de se travar o único combate da Revolução dentro de uma povoação do Rio Grande da época. Na madrugada de 2 de outubro, um maragato estava encilhando cavalos nos arredores do centro de São Francisco de Assis, quando foi atacado e morto por Borgistas, que haviam escavado uma trincheira naquele local. Foi a gota d’água. A cidade amanheceu cercada e um exército de aproximadamente 700 revolucionários atacou de forma suicida. Protegidos por sacos de areia colocados nas ruas que davam acesso à praça, 80 homens das tropas governistas resistiram abrindo fogo. Mesmo com várias baixas, a supremacia dos maragatos permitiu que a coluna continuasse avançando. Carlos Gomes percorria as trincheiras tentando animar os companheiros, quando foi atingido por vários tiros. “...o sangue espadanara por toda parte: manchando trincheiras, calçadas, portas, telhados das casas e o próprio salão da Intendência”, escreveu Flores da Cunha, governador do Estado, recordando sua passagem por São Francisco de Assis, um dia depois da peleja. Zeca Netto, que se opunha a qualquer acordo com Borges, tentou uma última cartada. Imaginou que se atacasse e tomasse uma cidade importante poderia intimidar os Borgistas. Assim, em 29 de outubro, atacou Pelotas, então a maior cidade do interior gaúcho, de surpresa, ao alvorecer, mas a manteve sob seu controle por apenas seis horas, porque os governistas conseguiram se rearticular e receber reforços. Na iminência de ser atacado por forças superiores, retirou suas tropas, sem ter havido batalha, como ocorreu em São Francisco de Assis. Para Assis Brasil e seus aliados mais lúcidos, ficou claro desde logo que não havia possibilidade de vitória militar; por isso, manifestaram disposição de negociar com o lado contrário.

 Tratado de paz

A partir deste episódio, os maragatos já não tinham condições de seguir lutando. Por iniciativa do governo federal, realizaram-se negociações comandadas pelo ministro da Guerra, general Fernando Setembrino de Carvalho, com a participação do senador João de Lira Tavares, representante do Congresso. Bagé, foi a cidade que abrigou diversas reuniões para buscar a paz ente chimangos e maragatos, entre eles ocorrida a primeira reunião no dia 15 de novembro no Palacete Pedro Osório. Em 14 de dezembro de 1923, é assinada a paz no Pacto de Pedras Altas, no famoso castelo de Assis Brasil. Pelo Acordo, Borges de Medeiros pôde permanecer até o final do mandato em 1928, mas a Constituição de 1891 foi reformada, impedindo as reeleições, e a indicação de intendentes (prefeitos) e do vice-presidente do Estado. O acordo foi importante para o Rio Grande do Sul, com profundas decorrências políticas. O sucessor de Borges no governo gaúcho foi Getúlio Vargas, lenço branco. Em 1930, a Frente Única Rio-grandense, sob sua liderança, assumiu o governo do país, na Revolução de 1930. A Revolução de 1923 foi a última guerra gaúcha, fechando a trindade que se iniciara na Revolução Farroupilha de 1835 e continuará na Revolução Federalista de 1893.

Fontes:

FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ediplat, 2006.

GZH – Os Cem anos da Revolução de 1923, a terceira e última grande guerra gaúcha, 2023.

LEMIESZEK, Cláudio de Leão. Bagé 1923: a batalha de papel na Guerra Civil no RS. Bagé, 2013

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

PIRES, César Machado. Revolução de 1923 / Combate do Passo da Juliana. Santa Maria: Pallotti,1999.

URBIM,Carlos. Rio Grande do Sul, um século de História. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1999









sábado, 22 de abril de 2023

Brinco-de-Princesa: A flor símbolo do Rio Grande do Sul

O brinco-de-princesa é uma espécie de planta, considerada a flor símbolo do Rio Grande do Sul. Seu nome cientifico é da espécie Fuchsia, sendo pertencente à família de plantas Onagraceae. O brinco-de-princesa é encontrado nas regiões mais altas do Rio Grande do Sul, em meio à Mata Atlântica, onde floresce em arbustos que crescem apoiados na vegetação e apresentam flores em formato de brinco. Sua cor na maioria das vezes é de um rosa avermelhada e as pétalas têm uma coloração que puxa mais para o violeta, mas possui outras cores como vermelho, rosa, azul, violeta e branco, com diversas combinações, sem mesclas. Este conjunto da forma das flores torna esta espécie extremamente ornamental, tendo um aspecto que atrai muitos beija-flores e também borboletas. Só na América do Sul existem mais de 200 espécies diferentes de brinco-de-princesa, também conhecida ainda como fúcsia, agrado e lágrima.Possui muitas variedades, sendo que tanto pétalas, quanto sépalas podem ser de cores e de formas diferentes.
Uma curiosidade da espécie é que ela é comestível e pode ser usada como decoração em saladas e outros pratos.
O nome brinco-de-princesa se dá por conta de suas flores pendentes, em formato de sino duplo, com muitas pétalas é uma flor que não é tóxica, por isso crianças e animais podem conviver tranquilamente com ela.
O mel extraído dessa flor é útil em várias doenças, incluindo problemas da mucosa e da pele. Ele ajuda a amenizar sintomas de gripe e de resfriado. Seu consumo também pode auxiliar no tratamento de dores de cabeça, por ter propriedades anti-inflamatórias.
O brinco-de-princesa mesmo sendo uma flor com aparência frágil, esconde a força e a característica gaúcha. A planta resiste ao frio, inclusive a geadas, por esse motivo ela foi escolhida como símbolo do Rio Grande do Sul, se adaptando aos ambientes mais frios que caracterizam o inverno gaúcho, sem perder o encanto que desabrocha a cada primavera.
A flor do brinco-de-princesa tem vários significados associados com a simbologia das flores. Na linguagem das flores o brinco-de-princesa por seu encanto, beleza e cores intensas significa superioridade, graça, elegância, nobreza e elevação.
A ramagem é pendente, mas pode haver variações, com plantas mais eretas e outras mais pendentes. Deve ser cultivada preferencialmente sob meia-sombra, mas algumas espécies apreciam o sol pleno.
Para o povo gaúcho, a Brinco-de-Princesa, assim como a flor resiste às mudanças sem perder sua formosura e galhardia.
Em 16 de abril de 1998, através do decreto estadual n° 38.400, a flor Brinco-de-Princesa se tornou a flor símbolo do Rio Grande do Sul.

Por: Diones Franchi
Jornalista e Mestre em História

Fontes:

- Assembleia Legislativa do RS - www.al.rs.gov.br  – Dec 38.400.
- Lorenzi, Harri e Moreira de Souza, Hermes: Plantas ornamentais no Brasil: arbustivas, herbáceas e trepadeiras. Instituto Plantarum, Nova Odessa, 2001.
- Portal G1 - www.g1.globo.com/rs publicada em 16 de setembro de 2013.
- Revista Casa e Jardim – publicada em 27 de junho de 2021.


                                         
Brinco-de princesa

                                         

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Maragatos e Pica-Paus (Chimangos)

Os termos “maragato” e “pica-pau” foram usados para referir-se às duas correntes políticas gaúchas durante a Revolução Federalista de 1893.
Os “maragatos” representavam os federalistas, liderados por Gaspar Silveira Martins, e eram identificados pelo uso de lenços vermelhos. Os “pica-paus” representavam os republicanos, liderados por Júlio de Castilhos, e sua identificação se dava pelo uso de lenços brancos.
Segundo Manuelito de Ornelas, os republicanos eram chamados de “Pica-Paus”, em função da divisa branca que usavam nos chapéus, lembrando o topete da ave. Os federalistas eram chamados de “maragatos” em referência a mercenários castelhanos, descendentes de imigrantes espanhóis oriundos da Maragataria, área da província de Leon, na Espanha.
O termo “chimango” ou “ximango”, que já havia designado no Império uma facção do Partido Liberal, recebeu novo sentido só a partir da publicação, em 1915, do poema satírico de autoria de Ramiro Barcelos, intitulado Antônio Chimango. A partir de então, foram chamados de “chimangos” os republicanos, que eram liderados por Antônio Augusto Borges de Medeiros.
Na Revolução de 1923, houve a eleição de Borges de Medeiros que se candidatou pela quinta vez consecutiva como presidente do Rio Grande do Sul. Os chimangos enfrentaram as oposições maragatas, representadas pelos federalistas e pelos dissidentes do PRR liderados por Assis Brasil.
Hoje os lenços vermelhos dos maragatos e brancos dos chimangos, fazem parte da cultura gaúcha, mas diferente do passado se encontram lado a lado, unidos em favor dos pagos do Rio Grande do Sul.

Por: Diones Franchi
Jornalista
Mestre em História

Referências:
ALVES, Francisco das Neves. Revolução Federalista: história e historografia. Rio Grande: Editora da Furg, 2002
PESAVENTO, Sandra J. A Revolução Federalista. São Paulo: Brasiliense, 1983.
MARTINS, José Julio Silveira. Silveira Martins. Rio de Janeiro: Typ. São Benedicto, 1929.






domingo, 19 de fevereiro de 2023

Lenda da Sereia do Diamante



No município de Torres – RS, está localizado o Morro das Furnas, também chamado de Torre do Meio. É a mais imponente das torres e está localizado dentro do Parque Estadual da Guarita José Lutzenberger.
Em altitude, pode chegar a 48 metros em nível do mar, possuindo paredões rochosos de basalto (falésias) que estão sendo esculpidas há milhões de anos por ação dos ventos, das chuvas e do próprio mar que acaba criando furnas ou cavernas.
Algumas furnas se destacam e podem ser vistas com facilidade como o Portal onde está a Pontezinha e as furnas de garagem. Existem escadarias que dão acesso à Furna do Diamante, Furninha e Furna Grande.
As Furnas de Torres não são famosas apenas pelas belas paisagens naturais. Existem também muitas lendas que envolvem o lugar, sendo que uma delas é a lenda da Sereia do Diamante.
Diz a lenda que uma sereia protege a Furna do Diamante e nela guarda um esconderijo secreto, repleto de pedras preciosas e diamantes que está localizado no fundo da caverna, oriundo das embarcações que naufragaram às margens das Furnas.
Toda sexta-feira, em noites de lua cheia, a sereia aparece na porta da gruta e, certamente, pedirá um pente para quem encontra-la, para poder pentear seus longos e belos cabelos. Quem não tiver o pente, poderá encontrar a morte no labirinto da caverna. Quem entrega o pente à Sereia recebe a revelação de onde está escondido o tesouro das Furnas. Muitos pentes já foram encontrados no local, deixados por moradores e pessoas que acreditavam na lenda.
Em conversas de pescadores, reza a lenda que a mulher, metade peixe e metade humana, teria sido avistada várias vezes não só por embarcações, mas também por quem resolveu se aventurar pelo Morro das Furnas.
Essa é uma das histórias mais recorrentes entre as conversas de pescadores, repassada de geração para geração, ganhando versões diferentes ao longo do tempo.


Por: Diones Franchi
Jornalista
Mestre em História


Referências:

- Prefeitura de Torres – RS – www.torres.rs.gov.br
- Lendas de Torres – www.nossacasa.com.br/blog/lendas-de-torres




Sereia do Diamante


Morro das Furnas - Torres - RS


 

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Barão do Serro Azul – O Rei da Erva-mate

Ildefonso Pereira Correia, conhecido também como Barão do Serro Azul foi um empresário e político brasileiro. Era o maior exportador de erva-mate do Paraná com destaque em todo Brasil e o maior produtor de erva-mate do mundo. É uma personalidade que fez parte da história na Revolução Federalista, onde ele e outras cinco pessoas proeminentes da cidade de Curitiba foram executadas, sem qualquer processo legal ou acusação formal.
Ildefonso Pereira Correia nasceu em Paranaguá, em 6 de agosto de 1849, sendo filho do tenente-coronel Manuel Francisco Correia Júnior e de Francisca Antônia Pereira Correia. Seu pai foi destituído de todos os seus cargos públicos, por ter publicado um manifesto solicitando a separação da comarca de Curitiba da província de São Paulo.
Desde cedo se envolveu em assuntos políticos que envolviam lutas de conservadores com liberais e de escravocratas com abolicionistas. Seu pai morreu quando ele tinha apenas 12 anos.
Ildefonso estudou no curso de Humanidades no Rio de Janeiro, o qual concluiu com distinção aos 24 anos de idade. Ao voltar do Rio de Janeiro, ainda jovem abriam-se as portas do comércio da erva-mate. Buscando qualificação visitou Montevidéu e Buenos Aires, que eram os grandes centros consumidores de erva-mate brasileira. Aos 27 anos, em sociedade, instalou seu primeiro engenho de erva-mate, em Antonina. Quatro anos depois viajou para os Estados Unidos, afim de exibir seus produtos, obtendo grande sucesso.
Ao retornar, recebeu o convite para ser candidato à deputado provincial pelo partido Conservador, sendo que a partir daí nunca mais deixou a política.
Com a construção da estrada da Graciosa, transferiu suas atividades para Curitiba. Nessa época já acumulava uma considerável riqueza, que rivalizava com as famílias mais tradicionais do Paraná.
Em Curitiba, adquiriu e modernizou o engenho Iguaçu, construiu o Engenho Tibagi, comprou serrarias e lançou-se à exportação de madeira.
Em 1888, associado com Jesuíno Lopes, assumiu o controle da antiga Typographia Paranaense, fundada em 1853, por Cândido Lopes, na cidade de Curitiba. Transformaram-na na Impressora Paranaense, com o objetivo de melhorar a confecção das embalagens da erva-mate exportada.
Adquiriu posteriormente o controle acionário da Companhia Ferrocarril de Curitiba, lançou as bases do Banco Industrial e Mercantil, comprou o jornal Diário do Comércio e foi diretor da Sociedade Protetora de Ensino.
Em 1º de julho de 1890, ajudou a fundar a Associação Comercial do Paraná, tornando-se seu primeiro presidente.
Em 8 de agosto de 1888, recebeu da princesa Isabel, então regente do Brasil, o título de Barão do Serro Azul.
Com a proclamação da República, o governador Vicente Machado da Silva Lima convidou-o para a comissão organizadora do partido Republicano.
Em pouco tempo a situação política mudou: o marechal Deodoro da Fonseca renunciou e o marechal Floriano Peixoto assumiu a presidência do Brasil, dissolvendo o Congresso e convocando novas eleições.
No Rio Grande do Sul, o governo de Júlio Prates de Castilhos, apoiado pelo marechal Floriano Peixoto reprimiu a oposição e, logo depois, começava a Revolução Federalista. No Rio de Janeiro, os almirantes Custódio de Melo e Saldanha da Gama comandaram a Revolta da Armada. Em consequência disso, Santa Catarina caiu em poder dos revolucionários, e no dia 14 de outubro de 1893, a capital Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, foi declarada provisoriamente capital do Brasil, convertendo-se em base de operações militares dos movimentos de revolta originados separadamente no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Enquanto isto, separada por longas distâncias geográficas, Curitiba estava em paz.
Uma força de maragatos comandada por Gumercindo Saraiva veio do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de Janeiro. Passando por Nossa Senhora do Desterro, juntou-se aos aliados da Revolta da Armada e, dali, partiu com destino à Curitiba. O plano dos chefes maragatos previa o domínio do Paraná com um ataque conjugado por forças de terra e mar, e uma revolta em São Paulo se ali chegassem as tropas rebeldes.
O comando legalista enviou para o Paraná batalhões, formados por tropas regulares e voluntários civis do Rio de Janeiro e São Paulo. Em janeiro de 1894, estes chegaram à Lapa onde se travou uma terrível batalha. Durante 26 dias as tropas legalistas resistiram aos ataques das forças muito mais numerosas dos maragatos.

Ocupação de Curitiba pelos Maragatos

Na madrugada de 17 de janeiro de 1894, uma brigada comandada por João Meneses Dória tomou a estação de Serrinha. Com a cumplicidade dos funcionários, passou a responder aos chamados telegráficos como se fosse das tropas legalistas de Lapa, avisando que milhares de rebeldes estavam marchando para a Curitiba. Houve pânico na capital e o general Pego, comandante militar da cidade, fugiu abandonando trens carregados de material bélico.
Devido ao abandono de Curitiba pelas tropas legalistas, a cidade passou a ser dirigida por uma Junta Governativa presidida pelo Barão do Serro Azul. Em 20 de fevereiro de 1894, João Meneses Dória entrou em Curitiba à frente de 150 cavalarianos e, de um trem especial, desembarcaram o almirante Custódio de Melo, Teófilo Soares Gomes e vários oficiais da Marinha e do Exército. João Meneses Dória foi então aclamado governador do estado do Paraná.
O barão do Serro Azul foi convocado pelos cidadãos para fazer um acordo com os revolucionários para proteger a população de violências, saques e estupros. A Junta Governativa de Curitiba transformou-se em "Comissão para Lançamento do Empréstimo de Guerra" com o propósito de arrecadar fundos para os rebeldes e com isso comprar a proteção da cidade. O Barão de Serro Azul teria negociado com Gumercindo Saraiva, para poupar qualquer cidadão da cidade de saques ou ataques violentos.
Embora o Barão do Serro Azul e os comerciantes que apoiaram a comissão procurassem apenas evitar saques e desordens, seus atos os comprometeram como colaboradores com o movimento rebelde maragato.
Essa tentativa de negociação com o líder dos maragatos, Gumercindo Saraiva, em busca da paz na região soou como traição do Barão de Serro Azul por parte dos florianistas, que acabaram entrando de forma triunfal em Curitiba e armaram uma emboscada para sua prisão e morte.
O tempo perdido pelos maragatos durante o cerco da Lapa permitiu que as tropas legalistas se agrupassem e recebessem reforços ao norte, em Itararé, na divisa entre São Paulo–Paraná. O comandante dos maragatos, Gumercindo Saraiva, empreendeu um recuo rumo ao sul, abandonando Curitiba. As tropas governamentais reocuparam a cidade e, no dia 16 de outubro de 1893, o novo governador do Paraná Vicente Machado da Silva Lima, anunciou o estado de sítio em Curitiba.

Represálias das tropas governamentais

O general Éwerton de Quadros, novo comandante do Distrito Militar, promoveu demissões de funcionários públicos, buscas e capturas de pessoas acusadas de colaborar com os maragatos. As prisões ficaram tão cheias que o teatro São Teodoro foi transformado em presídio. Apesar da condenação pública, várias pessoas foram fuziladas.
No dia 9 de novembro de 1893, o Barão de Serro Azul recebeu uma intimação para se recolher ao quartel da primeira divisão. Outros cinco de seus companheiros também foram presos e levados aos mesmo presídio: Prisciliano Correia, José Lourenço Schleder, José Joaquim Ferreira de Moura, Rodrigo de Matos Guedes e Balbino de Mendonça.
Muitos políticos importantes do Paraná tentaram por todos os meios livrar o Barão de Serro Azul e seus companheiros da prisão. O general Éwerton de Quadros, temendo uma fuga ou a desmoralização de seu comando, ordenou a execução do Barão de Serro Azul e seus amigos.

Morte e Reconhecimento

Na madrugada do dia 20 de maio de 1894, os seis prisioneiros foram retirados da prisão e levados à estação ferroviária de Curitiba, sob o pretexto de embarcarem em Paranaguá em um navio da Marinha com destino ao Rio de Janeiro, onde seriam julgados.
O comboio parou no km 65 da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, perto do pico do Diabo da serra do Mar, na região de Morretes, onde há um alto despenhadeiro. Os presos começaram a ser arrastados para fora do vagão pelo pelotão de escolta. Mato Guedes atirou-se pela janela do trem, mas recebeu uma descarga da fuzilaria e rolou pelo precipício. Balbino de Mendonça, agarrando-se ao vagão, teve os braços quebrados a coronhadas, e foi abatido a tiros de revólver. O Barão do Serro Azul recebeu um tiro na perna e caiu de joelhos. Propôs então dividir sua fortuna com os oficiais da escolta se fosse poupado, porém tombou com uma bala na testa.
O comboio seguiu viagem, abandonando os corpos no local. Somente no dia seguinte a polícia de Piraquara foi avisada da existência de cadáveres na serra.
Considerado como um traidor, o Barão do Serro Azul ficou por mais de 40 anos banido da história do Brasil, mas mais tarde teve seu verdadeiro reconhecimento como um homem que tentou proteger Curitiba, quando em 2008, teve seu nome incluído no Livro de Aço dos Heróis Nacionais, do Panteão da Pátria Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes em Brasília.

Por: Diones Franchi
Jornalista
Mestre em História

Fontes:
- VARGAS, Túlio. A Última Viagem do Barão do Serro Azul. Curitiba: Ed. Juruá, 2004.
- CARNEIRO, David. O Paraná e a Revolução Federalista. 2ª ed. Curitiba: Ed. Secretaria da Cultura e do Esporte; Industria Gráfica Gonçalves, 1982.
- KHATIB, Faissal El. História do Paraná. Curitiba: Grafipar, 1969. Acervo Casa da Memória Paraná.
- Filme - O Preço da Paz, 2003.