sábado, 30 de julho de 2016

Salamanca do Jarau

Há muitos séculos, quando caiu o último reduto árabe na Espanha, os mouros foram obrigados a fugir e acabaram aportando no sul do Brasil. Trouxeram consigo da cidade de Salamanca uma jovem princesa, transformada por magia, em uma enrugada velhinha, a fim que não fosse reconhecida e aprisionada. Ela foi refugiada no Cerro do Jaraú.
Logo de chegada, deram com o Anhangá-pitã, o demônio dos índios. Contaram-lhe toda a história e o diabo resolveu ajudá-los. Deste dia em diante, a linda princesa passou a ser uma salamandra com a cabeça de pedra brilhante ou "Teiniaguá" e viveria em uma lagoa no morro do Jarau.
No tempo dos padres jesuítas, existia um moço sacristão no Povo de Santo Tomé, na Argentina, do outro lado do rio Uruguai. Ele morava numa cela de pedra nos fundos da própria igreja, na praça principal da aldeia.
Ora, num verão mui forte, com um sol de rachar, ele não conseguiu dormir a sesta. Então, levantou-se, assoleado e foi até a beira da lagoa refrescar-se. Levava consigo uma guampa, que usava como copo.
Assustou-se ao verificar que a água fervia, feito chaleira quente e, de repente no meio dela surgiu a própria Teiniaguá. Ficou pálido de medo, pois sabia que tal bicho tinha parte com o diabo, mas sabia também, tratar-se de uma linda princesa moura jamais tocada pelo homem e aquele que conseguisse conquistar seu amor, seria feliz para sempre.
Num gesto rápido, o sacristão agarrou-a, colocou-a dentro de uma guampa e encaminhou-se às pressas para os seus aposentos atrás da Igreja. À noite ao descobrir a guampa, eis que se opera um milagre, a Teiniaguá tinha voltado a ser princesa e lhe sorriu pedindo-lhe um pouco de vinho. Louco de paixão, correu até a sacristia e roubou o vinho do padre. Todas as noites era a mesma coisa, uma romaria até a Igreja na busca do vinho, até que os padres começaram a desconfiar do sumiço inexplicável da bebida e invadiram o quarto do moço. 
A princesa tomada de susto, transformou-se em Teiniaguá e fugiu para as barrancas do Uruguai e, o sacristão, coitado, acabou preso.
Um crime tão terrível, roubar o vinho sagrado de Deus, só poderia ter uma pena à sua altura, e o moço foi condenado a morte no garrote vil.
No dia da execução, toda a aldeia reuniu-se em torno da Igreja. Teiniaguá sentiu um aperto no coração, pressentindo que algo ruim estava para acontecer. Se utilizando de magia, começou a procurar o seu amado, abrindo sulcos na terra, até chegar à igreja, no momento em que lhe foi possível interromper o garrotear do sacristão. Ouviu-se a seguir, um estrondo muito grande, que produziu muito fogo e fumaça e tudo afundou.
A princesa conseguiu salvar seu amado, mas os dois ficaram confinados a uma caverna muito funda e comprida no Cerro do Jarau e só se libertariam de tal encantamento, quando surgisse alguém capaz de vencer todas as provas de coragem e, depois de realizar um desejo que lhe seria concedido, desistir dele.
Essa caverna, no alto do Cerro, ficou encantada, virou Salamanca, que quer dizer “gruta mágica”, a Salamanca do Jarau. Quem tivesse coragem de entrar lá, passasse pelas provas e conseguisse sair, ficava com o corpo fechado e com sorte no amor e no dinheiro para o resto da vida.
Duzentos anos se passaram sem que ninguém tenha conseguido quebrar o encanto. Até que em uma tarde linda de primavera, campeando o gado, Blau chega à furna de Jarau. Conhecia a lenda, pois sua avó charrua já tinha lhe assoprado no ouvido quando era criança. Sendo assim, foi entrando. Saudou o antigo sacristão das Missões e submeteu-se a todas as provas de coragem sem pestanejar. Ao término delas, foi levado à presença da salamandra encantada, que o alertou sobre o consentimento de um desejo.

A resposta do gaúcho a espantou:

— Não desejo nada.

A princesa ficou cabisbaixa e desiludida, pois necessitava que ele aceitasse algo para que pudesse desistir depois, tal qual rezava uma parte do encantamento.
Quando o gaúcho montava seu cavalo para ir embora, o sacristão alcançou-lhe uma moeda de ouro como lembrança de sua estada. Sendo assim, não podia fazer desfeita e colocou-a no bolso.
Durante muitos dias, Blau nem lembrou mais do acontecido e até tinha esquecido da tal moeda. Então, lhe apareceu um bom negócio, um amigo queria desistir de criar gado e dizia-se interessado em vendê-los. Foi quando puxou a guaiaca e lembrou-se da moeda. Todos os bois não poderia comprar, mas quem sabe um? Retirou a primeira moeda, mas pelo peso percebeu que havia mais e saiu então uma segunda...uma terceira... e assim de uma em uma, conseguiu as moedas necessárias para efetivar a compra.
O amigo surpreso, tratou de espalhar a notícia. E todos ficaram estarrecidos, pois Blau era um gaúcho pobre, que não tinha "eira nem beira", de onde teria vindo tanta riqueza? Todo mundo sabe, que boato é que nem fogo, quando pega, ninguém segura, de ouvido em ouvido cogitava-se que o homem tinha feito um pacto com o diabo. Depois que correu a fama, ninguém mais quis vender-lhe nada. Tinha gente que se desviava quilômetros só para não encontrá-lo.
O gaúcho começou a sentir saudade de sua vida de antes. Algum tempo depois, não aguentou mais. Só tinha um modo de consertar tudo, era devolver a moeda mágica. Foi exatamente o que tratou de fazer. Partiu então decidido.
Chegando à entrada da gruta, contou toda a sua estória ao sacristão, depois pegou a moeda, colocando-a na mão do homem, dizendo:

— Eis aqui sua moeda. Agradeço-lhe o presente, mas não preciso dele. Rico eu era dono de alguma coisa, mas como pobre recebo de herança o mundo.

O encantamento foi quebrado com uma grande explosão. Das furnas saíram os dois condenados, transformados em um belo par de jovens. O sacristão e a princesa casaram-se e trouxeram descendência indígena-ibérica aos povoados do Rio Grande do Sul. Na Salamanca do Jarau a Teiniágua e o sacristão se tornaram os pais do primeiros gaúchos do Rio Grande do Sul. Ah, ali vive também a Mãe do Ouro, na forma de uma enorme bola de fogo. As vezes na tarde ameaçando chuva, dá um grande estouro numa das cabeças do Cerro e pula uma elevação para outra. Muita gente viu!

Observação: Salamanca do Jarau é uma lenda que conta a história de uma princesa moura que se transforma em uma bruxa e que vem em uma urna de Salamanca na Espanha para uma caverna no Cerro do Jarau, em Quaraí no Rio Grande do Sul. É uma das mais tradicionais lendas do estado.



 Cerro do Jarau - Quaraí - RS








domingo, 3 de julho de 2016

Caetano Gonçalves da Silva - O bravo filho de Bento Gonçalves

Caetano Gonçalves foi um militar brasileiro, que nasceu no Departamento de Cerro Largo, Uruguai, em 21 de janeiro de 1822. Apesar de ter nascido no Uruguai, ele tinha dupla nacionalidade, sendo que desde pequeno era um garoto interessado na vida militar. Era filho do presidente da República Rio-Grandense, Bento Gonçalves da Silva e de Caetana Garcia Gonçalves da Silva. Em companhia de seus irmãos, Joaquim e Bento, estudou no Rio de Janeiro. Sua vida acadêmica foi interrompida pela prisão de seu pai na Ilha de Fanfa durante a Revolução Farroupilha. Bento Gonçalves foi transferido para o Forte do Mar, na Bahia, onde fugiria com ajuda de amigos maçons em 10 de setembro de 1837. Percebendo a gravidade dos fatos, Caetano e seus irmãos, ausentaram-se do Rio de Janeiro e vieram alistar-se entre os legionários farrapos.
Trocando os livros pela espada, entrou na campanha e alcançou por seus serviços o posto de capitão, participando de diversos combates até o fim da Revolução Farroupilha em 1845.
Em 10 de dezembro de 1858, foi nomeado tenente-coronel chefe do Estado Maior da Guarda Nacional do município de Bagé, sendo superior ao cargo do coronel Ismael Soares, que era seu sogro. Dedicou-se a vida pastoril no município, de onde adotou para viver. Casou-se com Clara Soares, permanecendo em Bagé, de onde, desta união tiveram três filhos, um filho e duas filhas.
Serviu no sítio de Uruguaiana, onde se apresentou com 20 distintos homens da cavalaria ao Imperador Dom Pedro II. Depois da rendição dos paraguaios em Uruguaiana em 18 de setembro de 1865, Caetano Gonçalves reuniu o 1° Corpo do Exército no território de Corrientes, fazendo toda marcha da Brigada Ligeira do general Antônio de Souza Netto. Participou do Passo da Pátria em 16 e 17 de abril de 1866, e em seguida das batalhas no Estero Bellaco e do Tuiuti, na Guerra do Paraguai. Pelos serviços prestados foi condecorado com a Ordem da Rosa e o Comendador da Ordem de Cristo. Permaneceu no exército até a conclusão da Campanha em 1870. Foi condecorado também com as medalhas de Mérito Militar da Campanha do Paraguai e a comemorativa de ouro da Rendição de Uruguaiana. Apesar de receber todas as honrosas distinções, nunca o coronel Caetano Gonçalves colocou uma medalha no peito, sendo que sua farda jamais revestiu-se de condecorações.
Caetano Gonçalves foi ainda delegado de polícia em Bagé, por duas vezes, e membro do antigo Partido Liberal, sendo vereador do município nas legislaturas de 1847 e 1857.
O coronel Caetano Gonçalves faleceu em Bagé aos 63 anos, em 16 de junho de 1885, após uma vida repleta de conquistas e vitórias.
Devido a seus atos de justiça e bravura recebeu homenagem do município de Bagé, sendo agraciado com o nome de uma rua.
Participou da cavalaria na Guerra do Paraguai e teve destaque nos campos de batalha. Não era considerado com grande fama dentro do exército brasileiro, mas sempre cumpriu os deveres a ele designados.

Fonte:
REIS, Jorge. Homens do Passado. Notas de Eduardo Contreiras Rodrigues, Murilo Edgar Budó e Tarcísio Antonio Costa Taborda. Bagé, Urcamp, 1989.

Artigo de Diones Franchi publicado no jornal Folha do Sul - Bagé - RS em 20/06/2016