segunda-feira, 15 de abril de 2024

O Pila

Pila é um dos nomes pelo qual é referido o dinheiro no Rio Grande do Sul. É a alcunha da moeda vigente no país, assim, um pila, quer dizer atualmente um real.
É muito comum o gaúcho utilizar o termo pila para o dinheiro no estado do Rio Grande do Sul. É também comum falarem um pila, dois pila, 10 pila, cem pila e por aí se vai.
A palavra Pila como moeda, provém de Raul Pilla, que foi um médico, jornalista, professor e político do Partido Libertador do Rio Grande do Sul. Este político e seu partido apoiaram a Revolução Constitucionalista de 1932, contra Getúlio Vargas. Como esta revolta foi mais intensa em São Paulo, e teve pouco respaldo no seu estado, ele exilou-se no Uruguai, saindo sem levar nenhum dinheiro.
Seus partidários, para ajudar no seu sustento, se solidarizaram e criaram alguns bônus com valor de 1 cruzeiro, que logo passaram a ser negociados, por um breve tempo, como dinheiro entre os seus correligionários. E os tais bônus eram cédulas impressas, que se popularizaram bem rapidamente e como eles tinham um valor “não-oficial” e caráter de dinheiro começaram a ser negociados e ser chamados de “pila”. Na foto desse bônus, existe a assinatura de Raul Pilla.
Porém existe uma outra versão, que é bem mais folclórica. Diz que nas eleições o candidato Raul Pilla, distribuía metade da nota de dinheiro para os eleitores que estavam prestes a votar, na promessa de entregar a outra metade se fosse eleito. Então os cabos eleitorais entregavam a metade da nota dizendo o nome do candidato “Pilla”, e logo isso acabou sendo assimilado por grande parte da população e rapidamente acabou virando sinônimo de dinheiro.

Como era a cédula:

Dizia assim a cédula: O portador contribuiu com o valor de … Cr$ para o Partido Libertador, em prol da Democracia. E até era assinado pelo político em um canto do documento.
Assim, se recolheram alguns valores em cruzeiros, que foram encaminhados ao Raul Pilla pelos seus partidários como auxílio financeiro, nascendo a denominação de “pila”, equivalente a dinheiro.

Uma possível lenda:

Diz que a moeda seria em nota de cruzeiro, e era cortada ao meio e distribuída aos eleitores, por seus partidários. Quando da votação e se confirmando que o portador votara no Dr. Pilla levava a outra parte da nota. Essa é apenas uma suposição, invenção popularesca do fato ou folclore político.

No entanto, ainda se ouve hoje “pila” pra cá, “pila” para lá...
Isso custa tantos “pilas” e até está fixada em registros em alguns dicionários.
E assim se conta a história do “pila” gaúcho, destacando-se que seu valor corresponde sempre a uma unidade de qualquer moeda nacional vigente. Que tenhamos muitos “Pila” durante nossa vida buena...

Referências:

BUENO, Antonio Avelange Padilha. Raul Pilla: Aspectos de uma bibliografia política. Porto Alegre, Julho de 2006.
FONSECA, Roberto: História do Rio Grande do Sul para jovens. Porto Alegre, Editora AGE Ltda., 2002

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Raul Pilla

Nasceu em Porto Alegre no dia 20 de janeiro de 1892, considerado um dos maiores defensores da adoção do regime parlamentarista. Pilla era chamado de O Papa do parlamentarismo no Brasil.
Pilla ingressou na política em 1909, com apenas dezessete anos, como secretário do diretório central do Partido Federalista do Rio Grande do Sul.
Formou-se médico pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1915. Na mesma faculdade foi professor interino de patologia em 1917 e ainda livre-docente de fisiologia em 1926, deixando o cargo em 1932.
Em 1922, como membro da Aliança Libertadora, fez parte da campanha de Joaquim Francisco de Assis Brasil para governador do estado, contra Antônio Augusto Borges de Medeiros, do Partido Republicano Rio-grandense, que tentava sua quinta eleição e a terceira consecutiva. Com a vitória de Borges de Medeiros, Pilla foi um dos líderes da Revolução de 1923, conflito civil entre os chimangos (partidários de Borges de Medeiros) e maragatos (partidários de Assis Brasil).
Em 1928 é um dos fundadores do Partido Libertador, juntamente com Assis Brasil, do qual seria vice-presidente. Em 1929 é um dos criadores da Frente Única Gaúcha, aliança entre os antes adversários PL e PRR, com o objetivo de garantir a eleição de um gaúcho para a presidência da República. O candidato seria Getúlio Vargas, do PRR, então presidente do Rio Grande do Sul. Com a derrota de Vargas eclodiu a Revolução de 1930, da qual Pilla participou ativamente.
Depois de vitorioso o movimento revolucionário, Getúlio Vargas assumiu o poder e designou alguns membros do PL para cargos na nova administração. Com a nomeação do então presidente do PL, Assis Brasil, para o Ministério da Agricultura, Raul Pilla assumiu a presidência do partido.
Em 1932, com o PL rompido com Vargas, Pilla participou dos levantes ocorridos no Rio Grande do Sul em apoio ao movimento constitucionalista eclodido em São Paulo. Derrotado o movimento, Raul Pilla exilou-se na Argentina e no Uruguai, entre 1933 e 1934. Após a anistia foi também Secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul na gestão de José Antônio Flores da Cunha, em 1936, onde elegeu-se deputado estadual Constituinte pela legenda do PL, em 1937. Teve o mandato cassado com a instituição do Estado Novo, ao qual se opôs, e afastou-se da política, retornando, então, a docência na Faculdade de Medicina de Porto Alegre.
No contexto da redemocratização, em 1945, integrou a Comissão de Orientação Política encarregada de elaborar os estatutos da União Democrática Nacional, UDN, tendo, no entanto, abandonado o partido para tornar-se presidente do refundado Partido Libertador. Era apoiador da sublegenda, tentando aprovar tal sistema no projeto da Constituinte de 1946.
Seria, depois, deputado federal, sendo que durante a Campanha da Legalidade foi o criador da emenda que permitiu a João Goulart assumir a presidência da república, no regime parlamentarista.
Também bacharel em Ciências e Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, exerceu o jornalismo no Rio Grande do Sul e foi colaborador de diversos periódicos no estado. Durante o funcionamento da Constituinte de 1946, manteve colunas políticas regulares em O Globo, no Rio de Janeiro, Diário de Notícias (do qual foi um dos fundadores, em 1925) e Correio do Povo, de Porto Alegre.
Além disso, publicou diversos livros como Linguagem médica, Presidencialismo ou Parlamentarismo, O Professor e a Medicina e Revolução Julgada à Crise Institucional.
Faleceu na cidade de Porto Alegre no dia 7 de junho de 1973.

Por: Diones Franchi
Jornalista e Mestre em História

Cédula originária do Pila

Raul Pilla


terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Os Lanceiros Negros

Os Lanceiros Negros foi um grupo de escravos que participou da Guerra dos Farrapos, com a condição de lutarem como soldados. Existiram dois corpos de exército de lanceiros, onde carregavam uma braçadeira vermelha, simbolizando a república rio-grandense.
Durante dez anos, combateram ao lado dos farrapos e contra as tropas imperiais. Possuíam 8 companhias e cerca de 51 homens cada, totalizando mais de 400 lanceiros que andavam montados em seus cavalos e armados com lanças compridas.
Tornou-se célebre o 1.º Corpo de Lanceiros Negros organizado e instruído em 1836, inicialmente, pelo coronel Joaquim Pedro, compadre do general Netto e antigo capitão do Exército Imperial, que participou da Guerra Peninsular e se destacara nas guerras platinas. Ajudou, nesta tarefa, o major Joaquim Teixeira Nunes, o Gavião, veterano e com ação destacada na Guerra Cisplatina. Este bravo, à frente deste Corpo de Lanceiros Negros, libertos, prestaria relevantes serviços militares à República Rio-Grandense.
Formado por homens escravizados, os Lanceiros Negros lutaram ao lado do exército Farroupilha contra o Império, com a promessa de liberdade ao fim do conflito. Entretanto, quando se aproximou o fim da guerra, cerca de 100 escravizados, desarmados e comandados pelo farroupilha Davi Canabarro, foram massacrados pelo exército imperial no distrito de Piratini, no Cerro dos Porongos, hoje município de Pinheiro Machado. Esse episódio ficou conhecido como Massacre dos Porongos e logo após aconteceria as negociações de paz dos farroupilhas com o Império, que culminou na assinatura do Tratado de Poncho Verde, em 1845.

A formação

Os Lanceiros Negros foram importantes em diversas batalhas dos farrapos frente aos imperiais, onde eram em sua maioria comandados por Teixeira Nunes. Eles eram escravos negros dos próprios estanceiros e trabalhavam nas lidas campeiras. Para poder manter seus contingentes de soldados, numa guerra que se prolongava, os farrapos passaram a recrutar os escravos, aos quais ofereçam liberdade em troca do serviço militar.
Com essa promessa da liberdade se apresentaram prontamente aos seus patrões. Durante 10 anos esse foi o seu maior sonho, ou seja tornar-se livre.
O recrutamento dos trabalhadores escravizados ocorreu possivelmente entre negros campeiros, e também entre outros, das Serras de Tapes e do Herval (Canguçu, Piratini, Caçapava, Encruzilhada e Arroio Grande.).
Muitos estancieiros, na tentativa de se livrarem, bem como a seus filhos, do recrutamento, terminavam por liberar em seu lugar seus escravos negros para substituí-los.
Os Lanceiros Negros foram vinculados aos rebeldes republicanos rio-grandenses, quando João Manuel recebeu a patente de general no exército farroupilha. Os lanceiros negros, eram assim denominados por carregarem uma lança de madeira de três metros de comprimento, atuando na “linha de frente”. Combatiam tanto a pé como a cavalo, fazendo, segundo o relato de Garibaldi, enorme gritaria.
Eram também habilidosos no uso da adaga e facão. Suas roupas eram simples: camisa e calça curta de algodão, sendo um chiripá de pano, colete de couro e sandálias de couro cru, Os detalhes do recrutamento são oferecidos pelo jornal oficial da república, O Povo, de 20 de abril de 1838, manifestando um decreto do Presidente Bento Gonçalves da Silva. Nele informa-se que os recrutas eram selecionados conforme a cor da pele, a instrução – pois os que sabiam ler e escrever eram destinados à artilharia – a educação e os bens. Os negros mais ágeis eram arrolados no Corpo de Lanceiros de primeira linha, a cavalaria, enquanto que os demais ingressavam na infantaria.
O 2º. Corpo de Lanceiros foi formado em 31 de agosto de 1838 e contava com 426 combatentes. Nos dois corpos de lanceiros negros os oficiais eram brancos.

As batalhas

Na medida em que a guerra avançava, a importância dos lanceiros tornava-se mais evidente, como na ocupação a Rio Pardo em 1838, no ataque a Laguna, em 1839, e na invasão de Lages em 1840. Possuíam grande habilidade para atacar o inimigo de surpresa, sendo obrigados a desempenharem as ações mais arriscadas.
Os Lanceiros Negros foram importantes na Guerra dos Farrapos, mas o que é mais lembrado é a chamada Batalha de Porongos que seria na realidade o Massacre de Porongos.
No acampamento montado próximo à cidade de Piratini, na metade-sul da Província, local conhecido como Cerro de Porongos, soldados brancos, índios e negros, estavam sob o comando do general David Canabarro, que deveriam passar mais uma noite, pois já existia a promessa de paz entre farrapos e imperiais.
Os negros haviam sido, suspeitamente, desarmados sob a alegação de que a guerra já estava em seus momentos finais. O comandante não preocupou-se, como de hábito em uma guerra, em deixar vigilantes estrategicamente posicionados para a proteção do acampamento.

O massacre

Era a madrugada de 14 de novembro de 1844, quando um toque de corneta ordenou o início do ataque sobre o desprotegido acampamento. Mais de mil soldados imperiais, sob o comando do Coronel Francisco Pedro de Abreu, o Chico Pedro, também conhecido como “Moríngue” (apelido em alusão a sua cabeça, parecida com uma “moringa”.) atacam o acampamento republicano. O general farroupilha David Canabarro foge a cavalo, mas os combatentes negros, desarmados, são violentamente exterminados na sua totalidade.
O saldo desse ataque foi a prisão de 280 homens de infantaria e 100 soldados negros massacrados, ou seja, a totalidade dos soldados negros presentes naquele acampamento. Conforme anotou Flores, em 4.2.1845, o barão de Caxias informava ao ministro da guerra, Jerônimo Francisco Coelho, que Canabarro havia prometido mandar entregar todos os escravos que ainda conservavam armas.
O próprio Bento Gonçalves criticou os acontecimentos de Porongos, onde em um trecho ele diz:
“Foi com a maior dor que recebi a notícia da surpresa que sofreram o dia 14 deste! Quem tal coisa esperaria…Perder batalhas é dos capitães, e ninguém pode estar livre disso; mas dirigir uma massa e prepará-la para sofrer uma surpresa semelhante é ser desfeita sem a menor resistência, é só dá incapacidade, e da inaptidão e covardia do homem que assim se conduz…”
Sobre a culpa de Davi Canabarro que teria traído os Lanceiros, existiria uma carta que combina os acontecimentos com Caxias para o massacre de Porongos, nela dizia em um trecho que poupasse sangue de gente branca .Canabarro morreu negando a traição.

O legado

Os soldados negros que sobreviveram, foram aprisionados pelo Império e seguiram para o Rio de Janeiro. Porongos, durante muito tempo, permaneceu um assunto intocado, pois, implicaria na mudança da visão dos personagens de Canabarro e Caxias na história oficial, mas também por termos uma revisão histórica da Revolução Farroupilha.
O grupo dos Lanceiros Negros foram merecidamente reconhecidos por sua bravura sendo, oficialmente incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, também conhecido como Livro de Aço, através da Lei federal Nº 14.795, de 5 de janeiro de 2024.
Que o Rio Grande do Sul continue honrando seus personagens farroupilhas, mas que honre principalmente os Lanceiros Negros.

Por: Diones Franchi
Jornalista e mestre em História

Referências:

ALMEIDA, Jerri Roberto. Heróis de Papel, 2007
FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul, 1985

Imagens: João Manuel Blanes, Vasco Machado.