A Revolução
de 1923 foi o movimento armado ocorrido no Rio Grande do Sul no ano de
1923, em que lutaram, de um lado, os partidários do presidente do estado, Borges
de Medeiros, conhecidos como Borgistas ou Chimangos, que usavam
no pescoço um lenço branco, e de outro lado os revolucionários aliados
de Joaquim Francisco de Assis Brasil,
chamados Assisistas ou Maragatos, que usavam no pescoço um lenço
vermelho. Vamos relembrar essa revolução, que neste ano completa 100 anos,
conhecida também como a última guerra genuinamente gaúcha.
Antecedentes
Republicano e
positivista, mas de viés bastante autoritário, Júlio Prates de
Castilhos, o Patriarca, como era chamado, governou o Rio Grande do Sul com
mão de ferro, de 1891 até sua morte em 1903. Para se manter no
poder, tomou duas providências: redigiu praticamente sozinho e fez aprovar uma
Constituição autoritária e montou uma poderosa máquina política no Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR), com seus incontáveis chefes locais e seu séquito
de agregados, presentes em mais de cem municípios do estado. Ao morrer, ficou
claro que se fora o ditador, mas a ditadura republicana continuava viva.
A conturbada eleição
Castilhos foi
substituído na presidência do estado por Borges de Medeiros, que seguiu
adotando os mesmos métodos e que também tinha como objetivo perpetuar-se no
poder. Em 1922, Borges resolve candidatar-se mais uma vez à presidência, e
contava, como sempre, com a força do PRR, que não hesitava em apelar para a
fraude e a violência para garantir a vitória. Todavia, desta
feita houve um fato novo: formou-se uma aliança entre vários segmentos da
sociedade gaúcha, para estimular uma oposição organizada. O veterano político
Assis Brasil desafia Borges na disputa nas urnas. Divide-se assim
o Rio Grande entre Borgistas ou Chimangos, numa alusão ao
pseudônimo dado a Borges por Ramiro Barcelos, no poema Antônio
Chimango, e os Assisistas ou Maragatos, como eram chamados os
adeptos do Partido Federalista. A campanha
eleitoral ocorre sob um clima de repressão e violência. Os opositores do
governo são presos, espancados e até mortos. Locais de reunião
dos Assisistas são fechados e depredados pela polícia Borgista. Quando se
anunciou o resultado das urnas, com a previsível vitória de Borges de Medeiros,
a revolta foi geral. A comissão apuradora de votos, formada por pessoas fiéis
ao governo, foi acusada de fraude eleitoral pela oposição. A disputa nas urnas
transformou-se em disputa pelas armas. A oposição, liderada por Assis Brasil,
aderiu à revolta armada para derrubar Borges de Medeiros, que toma posse para
um novo mandato, em 25 de janeiro de 1923. Setores
importantes da sociedade gaúcha já andavam descontentes com o governo, e política
econômica de Borges precipitara o estado numa crise financeira que contribuíra
para descontentar tanto a elite estancieira, como boa parte do movimento
operário e estudantil. No plano nacional, Borges se isolara ao fazer oposição à
candidatura de Artur Bernardes, que foi eleito Presidente da República.
A guerra
Na verdade a
rivalidade entre as facções era mais antigo, vindo desde a Revolução
Federalista de 1893, que ficou marcada pela prática da degola. Os
sentimentos tiveram continuidade no conflito de 1923. Os combates se
iniciaram ao final de janeiro. As cidades de Passo
Fundo e Palmeira das Missões foram atacadas pelos caudilhos maragatos,
de Mena Barreto e Leonel da Rocha, que encontraram forte resistência
de ambos os lados, não havendo vitória. A expectativa de
Assis Brasil e seus aliados, ao partir para a luta armada, era a de que o
Presidente da República Arthur Bernardes, que não nutria simpatias por
Borges, decretasse intervenção federal no Rio Grande do Sul. Mas Borges,
um político hábil, se aproximou de Bernardes e frustrou as expectativas de seus
opositores. Os Maragatos,
que não estavam devidamente organizados para enfrentar as forças governistas,
nem tinham objetivos militares definidos, ficaram confusos ao verem que a
pretendida intervenção federal não viria. A continuidade da luta dependia das
ações isoladas empreendidas por José Antônio Matos Neto, o Zeca Netto. Mas
as operações militares ficavam restritas a regiões distantes de Porto
Alegre e não conseguiram causar dano às forças dos Borgistas. Logo os
maragatos começaram a se ressentir da falta de homens e de armas. A guerra
também teve os protagonistas Flores da Cunha e Honório Lemes. Os
revolucionários de 23 se organizaram em colunas, com seus respectivos líderes
nas diversas regiões do Estado: Leonel Rocha (Norte), Felipe Portinho
(Nordeste), Honório Lemes (fronteira Sudoeste), Estácio Azambuja (Centro Sul) e
Zeca Netto (Sul). Esses grupos possuíam centenas de combatentes. A mais famosa
e a que ocupou o maior número de cidades foi a Coluna do General Honório Lemes,
o “Leão do Caverá”, homem simples, tropeiro e exímio conhecedor do Pampa. Honório Lemes
não tinha o aspecto dos caudilhos tradicionais. Tratava qualquer soldado como
um igual. O efetivo de sua tropa chegou a atingir cerca de 3 mil homens. Lemes
era um chefe carismático. Usava um linguajar típico, era sagaz e inteligente,
ditava as ordens com termos adequados, frases sóbrias ritmadas e pausadas,
indicando uma espécie qualitativa da pontuação, mesmo sendo quase analfabeto.
Seu amplo conhecimento do território pampeano deu a ele uma grande vantagem com
relação aos seus perseguidores. Mês a mês, a Coluna Lemes foi ocupando cidades
do interior do Rio Grande do Sul como Alegrete, Dom Pedrito, Quaraí, São
Gabriel e Rosário do Sul, entre outras. No entanto,
em Uruguaiana, Lemes não obteve sucesso,
pois o intendente da cidade à época era o perspicaz José Antônio Flores da
Cunha. Atento aos acontecimentos nas cercanias da cidade, ele previu a
inevitabilidade da luta armada e preparou uma forte defesa nos limites
municipais. Com o sucesso da defesa de Uruguaiana, Flores da Cunha foi
destacado com incumbência de perseguir Honório Lemes e sua coluna. Em setembro de
1923, quando a Revolução já caminhava para seu declínio, pois os
revolucionários já estavam quase sem munição e acossados pelas tropas
governistas, não tendo como resistir, o general Honório Lemes resolveu,
estrategicamente, passar o Rio Ibicuí, para a sua margem direita, nas
imediações do local conhecido como Passo do Catarino, hoje Praia do
Jacaquá, fugindo das tropas Borgistas, comandadas pelo general José Antônio
Flores da Cunha. Após esta passagem, que ocorreu no dia 23 de setembro,
Honório, com um grupo de mais ou menos 100 homens, ficou acampado na
propriedade rural do companheiro maragato Henrique Gregório Einsfeldt Haigert,
o “Nico Bonito”, pai de Paulino Cipriano Haigert, o Coronel Pimba, enquanto o
restante, pouco mais de 250 homens, ficou sob o comando do Coronel Hortêncio
Rodrigues e seguiu em direção à então vila de São Francisco de Assis.
Estava chegando a hora de se travar o único combate da Revolução dentro de uma
povoação do Rio Grande da época. Na madrugada de
2 de outubro, um maragato estava encilhando cavalos nos arredores do centro de
São Francisco de Assis, quando foi atacado e morto por Borgistas, que haviam
escavado uma trincheira naquele local. Foi a gota d’água. A cidade amanheceu
cercada e um exército de aproximadamente 700 revolucionários atacou de forma
suicida. Protegidos por sacos de areia colocados nas ruas que davam acesso à
praça, 80 homens das tropas governistas resistiram abrindo fogo. Mesmo com
várias baixas, a supremacia dos maragatos permitiu que a coluna continuasse
avançando. Carlos Gomes percorria as trincheiras tentando animar os
companheiros, quando foi atingido por vários tiros. “...o sangue
espadanara por toda parte: manchando trincheiras, calçadas, portas, telhados
das casas e o próprio salão da Intendência”, escreveu Flores da Cunha,
governador do Estado, recordando sua passagem por São Francisco de Assis, um
dia depois da peleja. Zeca Netto, que
se opunha a qualquer acordo com Borges, tentou uma última cartada. Imaginou que
se atacasse e tomasse uma cidade importante poderia intimidar os Borgistas.
Assim, em 29 de outubro, atacou Pelotas, então a maior cidade do
interior gaúcho, de surpresa, ao alvorecer, mas a manteve sob seu controle por
apenas seis horas, porque os governistas conseguiram se rearticular e receber
reforços. Na iminência de ser atacado por forças superiores, retirou suas
tropas, sem ter havido batalha, como ocorreu em São Francisco de Assis. Para Assis
Brasil e seus aliados mais lúcidos, ficou claro desde logo que não havia
possibilidade de vitória militar; por isso, manifestaram disposição de negociar
com o lado contrário.
Tratado de paz
A partir deste
episódio, os maragatos já não tinham condições de seguir lutando. Por
iniciativa do governo federal, realizaram-se negociações comandadas pelo
ministro da Guerra, general Fernando Setembrino de Carvalho, com a
participação do senador João de Lira Tavares, representante do Congresso. Bagé, foi a
cidade que abrigou diversas reuniões para buscar a paz ente chimangos e
maragatos, entre eles ocorrida a primeira reunião no dia 15 de novembro no
Palacete Pedro Osório. Em 14 de dezembro
de 1923, é assinada a paz no Pacto de Pedras Altas, no famoso castelo de
Assis Brasil. Pelo Acordo, Borges de Medeiros pôde permanecer até o final do
mandato em 1928, mas a Constituição de 1891 foi reformada,
impedindo as reeleições, e a indicação de intendentes (prefeitos) e do
vice-presidente do Estado. O acordo foi
importante para o Rio Grande do Sul, com profundas decorrências
políticas. O sucessor de Borges no governo gaúcho foi Getúlio Vargas,
lenço branco. Em 1930, a Frente Única Rio-grandense, sob sua liderança, assumiu
o governo do país, na Revolução de 1930. A Revolução de
1923 foi a última guerra gaúcha, fechando a trindade que se iniciara na
Revolução Farroupilha de 1835 e continuará na Revolução Federalista
de 1893.
Fontes:
FLORES, Moacyr.
História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ediplat, 2006.
GZH – Os Cem
anos da Revolução de 1923, a terceira e última grande guerra gaúcha, 2023.
LEMIESZEK,
Cláudio de Leão. Bagé 1923: a batalha de papel na Guerra Civil no RS. Bagé,
2013
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.
PIRES, César
Machado. Revolução de 1923 / Combate do Passo da Juliana. Santa Maria:
Pallotti,1999.
URBIM,Carlos. Rio
Grande do Sul, um século de História. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1999